A terra



A Terra é muito mais que um simples ponto azul-claro, perdido no espaço (Figura 1). A Terra é a nossa casa no Universo, tornada singular pela presença de vida, tornada singular pela nossa presença. Na verdade, o único ponto do Universo onde há a certeza de vida é a Terra. As condições para a existência de vida decorrem grandemente de condições astronómicas e físicas, a mais importante das quais é a Terra ter toda a sua órbita a uma distância do Sol (149 600 000 km = 1 Unidade Astronómica, 1 UA) que lhe permite ter água nos três estados. E, é claro, é a presença de água nos oceanos e na atmosfera que confere ao nosso planeta a cor azulada com que pode ser visto do espaço. A Terra é o mais exterior, o maior (diâmetro equatorial: 12756 km) e o mais denso (5.52) dos planetas interiores. É também o mais “vivo” dos planetas, não só do ponto de vista biológico como também dos pontos de vista atmosférico, geológico e geofísico. Os principais constituintes da atmosfera terrestre são o azoto, o oxigénio, o dióxido de carbono, o vapor de água e o árgon . A temperatura média à superfície é de 14º C, variando entre cerca de -60º C e +45º C (Figura 2), mas a variação vertical é maior. A atmosfera terrestre é estratificada, podendo-se definir três grandes zonas, de baixo para cima: a troposfera, a mesosfera e a estratosfera. Figura 2 – Temperaturas em 02.06.23. Para além de permitir a respiração, a atmosfera tem outros papéis não menos importantes. O dióxido de carbono é o principal responsável pelo efeito de estufa que mantém a amplitude térmica entre limites que possibilitam a vida. O ozono, que na troposfera é um veneno, na estratosfera protege a Terra da radiação ultravioleta proveniente do Sol, pelo que a sua rarefacção é naturalmente preocupante (Figura 3.). Figura 3 – “Buraco do ozono” sobre a Antárctica em 1987. TOMS, NOAA. Além disso, a atmosfera protege-nos do constante bombardeamento de meteoros a que estamos sujeitos - vejam-se as crateras nas imagens dos planetas quase desprovidos de atmosfera: Mercúrio, Marte e a Lua, por exemplo (Figura 1). Tal como em Marte, o clima na Terra tem estações, causadas pela inclinação do eixo de rotação (23.45º) em relação à Eclíptica. Para além dos movimentos de translação e rotação, a Terra tem outros movimentos menos perceptíveis: o eixo de rotação da Terra descreve ainda movimentos de precessão, nutação forçada e nutação livre, num jogo muito complexo de relações gravitacionais externas (influências combinadas da Lua e do Sol) mas também internas, ainda não completamente esclarecidas. Figura 4 – Topografia global, limites de placas tectónicas e localização de epicentros sísmicos em 1999. USGS. A Terra é o único planeta em que se conhece uma tectónica activa. Isto significa que a crosta está subdividida em placas, menos densas e mais rígidas que o manto sobre o qual flutuam. As maiores placas que actualmente estão definidas são a Euro-Asiática, a Africana, a Indo-Australiana, a Pacífica, a Antárctica, a Norte-Americana e a Sul-Americana, embora já se tenham definido inúmeras pequenas placas, como a placa Nazca, no pacífico Oriental, junto à América do Sul, ou mesmo microplacas, como a dos Açores. A tectónica é activa porque estas placas estão em permanente movimento, sendo criadas nas dorsais oceânicas, das quais se afastam como tapetes rolantes, arrastando com elas os continentes, e destruindo-se nos contactos convergentes. Assim, na linha de encontro entre placas há sismos, produzidos pelo efeito mecânico do choque, e vulcões, resultado do magma ascendente. O mapa dos sismos e vulcões na Terra é, ao mesmo tempo, o mapa das placas tectónicas (Figura 4). A fonte de energia para todo este processo é o calor interno da Terra, parte dele remanescente da formação planetária, parte proveniente do decaimento dos isótopos radioactivos. A estrutura interna da Terra é conhecida pela análise dos sismogramas, iniciada no princípio do séc. XX, dado que a velocidade de propagação das ondas sísmicas varia com as propriedades mecânicas dos meios que atravessam. Foi possível, assim, definir a seguinte estratigrafia: crosta (-30 a -40 km, de composição “basáltica”, sob os oceanos, -60 a -70 km, de composição “granítica”, sob os continentes); manto superior, de composição “peridotítica”, (-650 km); manto inferior, fluido, de composição “dunítica” (-2900 km); núcleo externo, líquido, de composição metálica, predominantemente Fe, Ni, Si, S, (-5200 km); núcleo interno, também metálico, mas sólido (-6378 km) (Figura 5). Figura 5 – Esquema do interior da Terra. C. Hamilton. A análise dos sismos é a única forma que temos de aceder ao interior de um planeta, pelo que seria muito importante que todas as sondas planetárias estivessem equipadas com um sismómetro-+ -. O calor interno da Terra, para além de fornecer a energia para os movimentos tectónicos, produz correntes de convecção no núcleo externo. O movimento dessas correntes, e a sua interacção com o núcleo interno, produz um mecanismo de dínamo que gera o campo magnético dipolar terrestre, que faz com que a Terra se comporte como um íman, com a polaridade Sul próxima do Norte geográfico. A geração do campo geomagnético é um fenómeno caótico e, como tal, tem variações no tempo que aparentam ser aleatórias, embora sejam fruto de processos bem definidos. Esse carácter caótico é o responsável pelas inversões do campo magnético: por vezes, o Norte e o Sul magnéticos invertem bruscamente (em termos de tempo geológico - cerca de 2000 anos) as suas posições. O conhecimento das épocas dessas inversões ajudou a datar os fundos oceânicos (Figura 6), e foi um elemento precioso no desenvolvimento da teoria da tectónica global. Figura 6 – Idades dos fundos oceânicos. NOAA/USGS. O campo geomagnético é mais um escudo protector da Terra. Sem a sua presença, o vento solar incidiria livremente sobre a superfície do nosso planeta, tornando impossível a vida. A interacção do vento solar com o campo geomagnético dipolar deforma este e produz uma componente não-dipolar, o campo externo, que tem como consequências, entre outras, as auroras polares (boreais e austrais) (Figura 7). Figura 7 – Auroras fotografadas pelo telescópio espacial Hubble. ESA. É claro que para conhecer a Terra não seriam necessários veículos espaciais, mas estes permitem-nos uma visão global, em tempo real, que hoje é insubstituível para monitorizar a meteorologia (Figura 8), as alterações climáticas com fenómenos como os degelos polares ou El Niño (Figura 9). Figura 8 – O limbo da atmosfera terrestre. NASA. Figura 9 – Evolução do fenómeno El Niño no Inverno de 1998. NASA. É pelo conhecimento da detecção remota da Terra (Figura 10) que podemos interpretar com maior segurança os dados que nos chegam dos outros corpos do Sistema Solar. Figura 10 – Satélite Envisat, da ESA, lançado em 2002.
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